Algumas considerações sobre literatura védica, meditação e arqueologia

Fernando Coimbra
Arqueólogo
Instituto Terra e Memória
Instituto Politécnico de Tomar

Desde finais do século passado tem-se ouvido falar frequentemente dos Vedas, mas por vezes com várias incorreções que interessa esclarecer. Os Vedas não são um povo nem uma civilização, mas sim um conjunto de quatro textos litúrgicos – o Rigveda, o Yajurveda, o Samaveda e o Atharvaveda – colocados sob forma escrita a partir de 1500 a. C., segundo as conceções aceites pela História.

Contudo, como era hábito entre as populações indo-europeias que habitaram o subcontinente indiano no início do III milénio a.C., durante um longo período de tempo as tradições foram transmitidas por via oral, sendo proibida a utilização da escrita para esse fim. Este procedimento destinava-se a salvaguardar o conhecimento, considerado sagrado, evitando a sua profanação e divulgação entre pessoas não qualificadas e não iniciadas. Interessantemente, no Bhagavad Gîta, obra posterior aos quatro Vedas, Krishna adverte Arjuna:

“Não reveles jamais esta doutrina a quem não possua autodomínio e devotamento total, nem àqueles que não a queiram abraçar praticamente; nem a reveles aos vaidosos que não creem em mim” (Cap. 18, v. 67).

Os historiadores da literatura védica atribuem, de modo geral, a colocação do Rigveda em forma de escrita por volta de 1500 a.C. Todavia, os seus conteúdos devem remontar a épocas muito mais antigas, sendo transmitidos oralmente de geração em geração. De facto, na mesma região onde se desenvolveu a cultura védica, floresceu anteriormente a denominada Civilização do Vale do Indo, datada entre 3300 e 1300 a.C. Entre os vestígios arqueológicos encontrados em inúmeras escavações foram descobertos vários selos em esteatito (pedra sabão), datados de meados do III milénio a.C., onde se vê claramente uma figura humana sentada em padmasana, mais conhecida por posição de lótus, a postura utilizada pelos yogis na Índia para meditação. Estes selos são provenientes de sítios arqueológicos importantes como Mohenjodaro, Harappa e Mehrgarh, este último com evidências de povoamento desde o VII milénio a.C.

Na iconografia destes selos os personagens em padmasana parecem ser sempre tratados com grande respeito. Parece improvável que as pessoas que produziram estes objetos fossem apenas principiantes a experimentar o yoga, visto que os praticantes representados nas imagens parecem ter atingido um grau elevado de proficiência, devido à reverência demonstrada pelas outras figuras humanas. De facto, em outro selo de Mohenjodaro, duas figuras ajoelhadas apresentam oferendas a um personagem em padmasana, sendo os ofertantes, já por si, importantes, pois têm sobre a cabeça representações de serpentes, associadas simbolicamente apenas com realeza ou nobreza. Estas considerações sugerem que o yoga e a meditação podem ser mesmo anteriores à Civilização do Vale do Indo, e, ainda mais, à escrita dos Vedas, que propõem a meditação como forma de conhecimento do Eu interior, ou consciência pura.

Interessantemente, nos finais dos anos 70, o fisiologista norte-americano Robert K. Wallace efetuou medições de ondas cerebrais, de pressão sanguínea, consumo de oxigénio, entre outros testes, em praticantes de Meditação Transcendental (MT). Verificou que, durante esta prática, os meditantes entravam num estado de relaxamento profundo, com batimentos cardíacos mais lentos, diminuição do consumo de oxigénio e aparecimento de ondas alfa no eletroencefalograma, que são sinal de relaxamento profundo. A investigação de Wallace levou-o a concluir que a MT produz um estado de consciência fisiologicamente diferente da vigília, do sono e do sonho, ao qual chamou perceção pura, ou quarto estado de consciência, que surge já referido há mais de 2500 anos no Mandukya Upanishad, sendo designado por turiya.

Os Upanishads, cujo significado mais antigo é “doutrina secreta”, pertencem também à literatura védica, sendo constituídos por 106 volumes e tendo alguns quase mil páginas, como acontece com o Brihadaranyaka Upanishad.

Apesar de existirem diversas versões impressas dos Vedas, estes não são livros propriamente ditos. Trata-se de um conjunto de hinos e versos que devem ser recitados com uma determinada tonalidade, sendo destituídos da sua verdadeira sonoridade quando transferidos para papel. Por este motivo é que na Índia existem algumas escolas teológicas empenhadas em manter a pronúncia desses sons, na sua forma mais perfeita possível, utilizando métricas que foram passadas de família em família, através de várias técnicas de memorização.

Os Vedas têm sido tradicionalmente interpretados como expressões verbais de conhecimento sagrado, tendo a linguagem do Rigveda a função primordial de louvar e de invocar as divindades védicas. De facto, os hindus consideram os Vedas como sendo de origem divina e como tendo existido desde toda a eternidade, recebidos pelos antigos rishis, após meditação profunda, diretamente do Criador Supremo.

Mais tarde, Platão tem um ponto de vista semelhante, quando associa as doutrinas filosóficas com a revelação extática, argumentando que a busca da verdade deriva de uma fonte sobre-humana, sendo conducente ao conhecimento total, que surge como uma revelação. Os escritos de Platão dão a entender que ele próprio conheceu experiências místicas. Posteriormente, Plutarco escreve que os sábios gregos arcaicos obtiveram o conhecimento do divino por meio de conhecimento extático e iniciatório.

Na verdade, os Vedas revelam realidades que o ser humano pode descobrir através das suas próprias faculdades internas, através da interiorização proporcionada pela meditação, sendo importante a sua divulgação universal, já que nem todos conseguem alcançar esse objetivo sem orientação. Entretanto, essa finalidade pode ser facilmente atingida pela Meditação Transcendental, praticada atualmente por cerca de dez milhões de pessoas em grande parte do mundo. Trata-se de uma técnica que já era conhecida na Índia Védica, tendo por “chave” a utilização de certos sons (mantras), sendo passada de forma oral, de geração em geração. Todavia, tal como acontece com várias tradições, este ensinamento foi posteriormente distorcido, sendo restaurado há cerca de 2500 anos por Shankara, um filósofo iluminado, que se preocupou com que ele fosse amplamente divulgado e com exatidão. No entanto, aquele ensino foi de novo incompreendido durante alguns séculos, sendo de novo redescoberto no início do século XX por Swami Brahmananda Saraswati (Guru Dev), que o transmitiu ao seu discípulo Maharishi Mahesh Yogi, que viria a divulgá-lo, inicialmente na Índia, e depois no ocidente, a partir de 1959. Desde então inúmeras pessoas têm beneficiado desta extraordinária técnica, cujos benefícios na saúde e no relacionamento social têm sido demonstrados pela investigação científica.

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