Na última década do século XIX, em Portugal, com a consolidação do movimento associativo docente, o professorado começa a organizar-se na procura de uma política educativa modernizada, como o provam a publicação de vários jornais e revistas pedagógicas.
O conhecimento e a divulgação de experiências pedagógicas realizadas além-fronteiras vão contribuindo para uma tomada de consciência de soluções alternativas às metodologias tradicionais e vão criando uma atmosfera favorável à introdução de reformas inovadoras.
É neste período que a profissionalização da classe docente ganha no nosso país um impulso significativo, a partir da institucionalização das “escolas normais” de formação de professores. No seio do movimento associativo verifica-se uma intensa animação pedagógica em torno dessas novas experiências, bem patente na divulgação e nos debates feitos na imprensa e nos congressos pedagógicos. Adolfo Coelho é neste período o autor que, em Portugal, mais vai fazendo pelo desenvolvimento de uma pedagogia que se quer mais científica.
Com o advento da República instala-se todo um clima de mudança que será propício à introdução de medidas inovadoras na educação. Achava-se que a escola tinha um papel fundamental a desempenhar, dada a renovação das consciências que a Revolução Republicana exigia. Este espírito de grande abertura e inovação que se instala no país vai ser muito afetado pela depressão económica e a 1ª Grande Guerra (1914- 1918).
Em 1920, finda a 1ª Guerra Mundial, e decorrido o tempo necessário ao assentamento de algumas ideias, organiza-se o Congresso da Liga Internacional pró Educação Nova, em Callais, França, onde confluem vários movimentos pedagógicos que partilhavam este novo espírito educativo e as ideias que os orientavam tinham no fundo o mesmo objetivo: herdeiras de Rousseau e de Tolstoi, de Dewey e de Claparède, da psicologia infantil e da pedagogia experimental, defendiam a atividade pedagógica no respeito pela personalidade da criança, a sua atividade livre, a afirmação de que o educador não tem que preparar nem formar a criança, mas fornecer-lhe os meios de se desenvolver por si mesma. Na educação nova, a educação não é uma missão do professor é, sobretudo, uma atividade que é tarefa, obra e realização da criança.
Elaborou-se um programa completo sobre a Educação Nova e definiram-se trinta princípios que toda a educação deveria respeitar. De acordo com António Nóvoa, e em síntese, resumiremos esses princípios em cinco ideias chave: i) A escola nova é um laboratório de pedagogia prática que funciona preferencialmente em regime de internato e situada numa zona rural, privilegiando uma ambiência de proximidade com a natureza, onde se promovam excursões, acampamentos, criação de animais, trabalhos agrícolas, ginástica natural, entre outras; ii) pratica-se o sistema da coeducação dos sexos – não se devem ter rapazes num lado e raparigas no outro; iii) concede-se particular atenção aos trabalhos manuais, devendo todo o ensino organizar-se a partir de métodos ativos que estimulem o gosto pelo trabalho e pela criatividade; iv) procura-se desenvolver o espírito crítico através da aplicação do método científico a partir da atividade pessoal das crianças e dos seus interesses espontâneos, tentando conciliar momentos de trabalho individual e de trabalho coletivo; v) o quotidiano na escola deve basear-se no princípio da autonomia dos educandos, ou seja, numa educação moral e intelectual que não se exerce autoritariamente de fora para dentro, apostando-se no desenvolvimento do sentido crítico e da liberdade.
Assim, portadores de um programa muito inovador para a época, os educadores da Educação Nova vão lançar o grito de transformação da escola. E se é verdade que os pilares educativos tradicionais se mantiveram de pé, sem dúvida que a visão da criança e do ato educativo não foi mais a mesma.
Arrumada a guerra e recolocada a paz, abrem-se de novo o tempo aos pensamentos da reorganização social. Os ideias da “Educação Nova” já corriam por todo o mundo ocidental e as novas experiências não deixavam de chegar a Portugal. Em 1923, ainda durante a 1ª República, a “Reforma de João Camoesas” constitui uma referência em que confluem os ideários pedagógicos mais distintos da época. Estes contactos entre pedagogos portugueses e estrangeiros, estendem-se desde o fim do século XIX até à década de trinta, período em que alguns portugueses visitaram e trabalharam em instituições estrangeiras que tinham em prática experiências inovadoras, segundo os princípios defendidos pela “Educação Nova”.
Alguns dos pedagogos portugueses que, neste período, mais se destacaram em Portugal foram os seguintes:
– Augusto Joaquim Alves dos Santos (1866-1924), trabalhou com Claparède, no Instituto Jacques Rousseau; António de Sena Faria de Vasconcelos (1880-1939); Adolfo Lima (1874-1943) foi o primeiro responsável da secção portuguesa da Liga Internacional da Educação Nova que assumiu até à sua prisão com o golpe fascista do Estado Novo; António Sérgio (1883-1969), que sucedeu a Adolfo Lima na direção da Liga, quando da sua prisão; Álvaro Viana de Lemos (1881-1972), foi quem começou a divulgar no país as propostas de Freinet, também representante em Portugal da Liga Internacional da Educação Nova, conjuntamente com António Sérgio; destacam-se ainda, entre outros possíveis, César Porto, Irene Lisboa, Sebastião da Gama, Agostinho da Silva.
Este primeiro ciclo republicano educativo, pontuado pela inovação e liberdade, começou a ser travado com o golpe conservador de 28 de Maio de 1926 que trouxe pesadas consequências aos movimentos pedagógicos renovadores, a par do retrocesso político e social que o novo regime implicava. Adolfo Lima é preso, muitos outros são confrontados pelas suas ideias, inicia-se a perseguição e a demissão de professores ligados às metodologias progressistas.
A partir de 1930, com a visita a Portugal de Adolphe Ferrière, presidente da Liga Internacional da Educação Nova, os pedagogos mais progressistas são totalmente afastados do seu contacto pelos representantes do Estado Novo e Ferrière acaba por reconhecer Cruz Filipe como representante da Liga no nosso país, um pedagogo conectado com correntes religiosas e conservadoras, adepto dos valores da ditadura de 1926. Desiludidos com o facto, a pouco e pouco, foram rareando os discursos dos elementos mais progressistas sobre a “Educação Nova”. Viana de Lemos ainda faria a defesa do movimento e dos seus princípios renovadores, mas acaba por ser preso em 1934 e viu ser aberta uma investigação à escola que coordenava, acabando por ser decretado o seu encerramento. Cruz Filipe é condecorado e, foi assim, que a partir de 1935 quase se deixou de falar em Educação Nova em Portugal.
Os pedagogos progressistas passam, a partir desta altura, a funcionar nas margens do sistema, onde vão mantendo uma atitude aberta e inovadora. São os casos de Bento de Jesus Caraça, João Dias Agudo, Agostinho da Silva, João dos Santos, Maria Amália Borges Medeiros, Rui Grácio, entre outros. Refira-se também, entre algumas instituições particulares, o exemplo do Centro Infantil Helen Keller.
O caso de Agostinho da Silva constitui um bom testemunho desta resistência à política do Estado Novo. Já depois de demitido do ensino público, e de sobreviver dando algumas explicações e aulas no ensino particular, desenvolve um projeto educacional alternativo que é sistematizado em 1939, com a fundação do Núcleo Pedagógico Antero de Quental. É a partir daqui que passa a publicar algumas experiências que no estrangeiro, de alguma forma, se ligavam ao desenvolvimento da “Educação Nova”: A Vida de Pestalozzi (1939), o Método Montessori (1939), as Escolas de Winnetka (1940), Tolstoi (1941), Sanderson e a Escola de Oundle (1941), o Plano Dalton (1942). Foi esta ousadia que lhe valeu a prisão e o exílio, em 1944, que haveria de o deixar fora do país durante vinte e cinco anos.
Em conclusão, a Educação Nova em Portugal existiu cerca de quatro décadas, desde fins do século XIX até 1935. Embora se lhe reconheçam muitas limitações na sua capacidade de implantação face à escola tradicional do Estado, ainda assim, foram muito significativos os efeitos das suas práticas inovadoras na atividade educativa do país.
Com o retrocesso que o Estado Novo trouxe à educação, é preciso esperar pela década de sessenta para que uma nova geração pedagógica se afirme na cena portuguesa, ainda impregnada pelo espírito da “Educação Nova”. O momento mais flagrante é o surgimento do Movimento da Escola Moderna (MEM), em 1966, na sequência da participação de Sérgio Niza e Rosalina Gomes de Almeida, no Congresso da Fédération Internationale des Mouvements de l´Ecole Moderne, em Perpignan, França, e que ainda hoje se mantém vivo e muito influente nas políticas educativas do país.
Luís Carlos Santos
Referência Bibliográfica:
SANTOS, Luís Carlos R. dos (2016) Agostinho da Silva: Filosofia e Espiritualidade, Educação e Pedagogia. Vila Nova de Gaia: Euedito.