A Escola, tal como tradicionalmente a vemos, algum dia terá servido o seu propósito. Hoje não serve mais e autista é aquele que, perante tantos exemplos, não se questiona permanentemente. O fracasso deste sistema só não é mais visível porque muitos continuam a acreditar que as crianças que conseguem boas prestações nos testes ou outros instrumentos parecidos, aprendem realmente. É falso, aquilo que fazem é apelar à memória de curta duração para que, no dia marcado pelo professor, possam descarregar toda a informação retida no cérebro, numa folha de papel. Felizmente que algumas estruturas do Ministério de Educação já perceberam que este não é o caminho, permitindo assim que o IAVE possa conceber provas externas em que o fundamental não está na memória, mas noutras competências fundamentais.
O caso torna-se mais grave quando vemos que a tradição ainda é ter crianças sentadas e caladas para que o professor possa falar, recreios vazios de brincadeiras, de gritos, de
jogos, porque o telemóvel fala mais alto.
Esperamos todos por esta mudança conceptual. Mas enquanto esperamos, urge transformar a Escola. Uma Escola que não se organize em torno de práticas antinaturais, antipedagógicas e antiéticas. Este é um desafio que já nos foi lançado no passado e ao qual não respondemos com efectividade. Este é um desafio que continua e continuará cada vez mais na ordem do dia.
Comecemos pelo que é antinatural. Obrigar crianças a estarem sentadas a ouvir um adulto é um retrocesso civilizacional. Aprender, não tem a ver com ouvir, tem a ver com fazer e ser. O sistema continua a estar centrado em aulas para os alunos em vez de aulas com os alunos. O sistema também age contra o cérebro e a sua forma de aprender. Cria horários estanques, com disciplinas marcadas à hora certa, como se o cérebro humano funcionasse em caixas compartimentadas e não houvesse relação alguma entre matérias e conteúdos. “Agora o cérebro está disponível para a matemática. Depois “desliga” e “liga” para o português”. A neurociência já provou que o nosso órgão do pensamento é multidisciplinar.
Antinatural é também a organização em turmas e em anos de escolaridade. Afinal não estamos todos no mesmo nível de desempenho. Porque se continua a querer, em planificações cegas, que um aluno de 15 anos que está no 5º ano, aprenda exactamente o mesmo que um colega da mesma turma que tem 11, no mesmo tempo escolar, no mesmo dia da semana e com o mesmo professor? Não aprenderemos todos uns com os outros?
A organização da Escola tradicional também é antipedagógica. Em primeiro lugar porque não permite uma prática de avaliação formativa sistemática, uma vez que tudo gravita, na maioria dos casos, em torno de aulas expositivas, sem tempo para ouvir os alunos e experimentar outras ferramentas de recolha de informação para além do teste escrito.
Sabemos que a aprendizagem depende sobretudo da qualidade da avaliação formativa como meio de diagnóstico que possibilite ao professor tomar decisões de planeamento, de constituição de grupos, do estabelecimento de estratégias e metodologias, entre outras, que permitam a todos aprender. Desta encruzilhada surge a eterna confusão entre avaliar e classificar.
Em vez de práticas poli disseminadas de recolha de informação, recorremos quase sempre ao teste escrito, previamente marcado e potenciador da memória de curto prazo, que produz resultados imediatos mas pouco estáveis no tempo. Como pode o professor organizar o seu trabalho recorrendo a estes dados tão pouco credíveis?
A organização da Escola em disciplinas que se seguem umas às outras num horário semanal, potencia o trabalho individual em sobreposição ao colaborativo e tem como consequência o espartilho do conhecimento que se quer multidisciplinar. Felizmente já vamos tendo alguns bons exemplos de práticas interdisciplinares bem mais significativas para os alunos.
Finalmente o aspecto ético. A Lei de Bases do Sistema Educativo refere que todos têm direito à educação, deixando subjacente a ideia base que todos têm direito a aprender. A Escola tradicional não permite o cumprimento deste princípio básico. Em primeiro lugar porque deixa claramente de fora aqueles que não se conseguem incluir num padrão dito normal de desenvolvimento. Porque ensina para uma média não permitindo que todos, repito, todos, possam atingir as aprendizagens essenciais previstas.
Urge alterar as práticas e a organização, porque de debates já vivemos muito. E como as palavras são importantes mas não mudam a realidade, o Agrupamento Manuel da Maia arregaçou as mangas e planeou a mudança necessária.
Esta mudança gradual que queremos implementar passa por dar mais poder de decisão aos alunos e, consequentemente, maior autonomia e responsabilidade. O aluno decide o que vai aprender, com quem vai aprender, quando vai aprender e quando está pronto para mostrar que aprendeu. Os colegas e os adultos da escola estão com ele nesta caminhada em busca de maiores competências. Terá um tutor como maior responsável por esta gestão flexível, que o ajudará a planear o trabalho nos limites possíveis, porque tudo tem regras e as decisões a tomar têm como referência os objectivos de aprendizagem definidos no início.
Neste contexto torna-se impossível “dar” aula de forma tradicional. O aluno parte em busca do conhecimento através dos mais variados suportes e sistematiza a informação em conjunto com os colegas do grupo ou da turma. É uma vivência da escola totalmente diferente, em que o professor não é o centro, mas sim a relação que este aluno estabelece com a comunidade.
Como conclusão diremos que não existem disciplinas e conteúdos específicos de cada uma delas mas um conjunto vasto de aprendizagens a realizar, que postas em acção se transformam em competências.
Neste cenário, como se organiza a escola para responder eficazmente?
No nosso caso optámos por lançar um projecto piloto com dois grupos de 5.º ano, que em vez de trabalhar separadamente os conteúdos de cada disciplina, se organizam em torno dos objectivos de aprendizagem e das competências essenciais. Cada grupo de 5.º ano tem dois tutores, de áreas de saberes diferentes, que ajudam o aluno a organizar o trabalho que ele próprio planifica para duas ou três semanas. Cada tutor será responsável por um grupo de 10 alunos e intervém directamente com as respectivas famílias, elo muito importante nesta dinâmica.
Nada muda de muito visível para quem está de fora, pois os tempos vividos na escola são os mesmos. Mas muito mudará no dia-a-dia de cada criança, que, de forma autónoma e responsável, poderão construir o seu projecto de aprendizagem em comunidade.
Luís Mocho
Director do Agrupamento de Escolas Manuel da Maia