Paz é uma pequena palavra com um significado muito profundo e um poder transformador e regenerador de pessoas e sociedades.
Quem não quer a paz? Em teoria, e aparentemente, pensaremos que tod@s a desejamos. Mas olhando ao nosso redor vemos que o conflito e as violações dos direitos humanos estão por toda parte, infiltrados nas mais simples ações do quotidiano, tanto quanto em decisões tragicamente consequentes dos mais poderosos. A violência – incluindo violência direta, cultural e estrutural – faz parte dos nossos vínculos sociais, com a maior das naturalidades e normalização. Tod@s a praticamos, contra nós mesm@s, os outr@s, o planeta…Defendemos que dar uma palmada até faz bem, já que ensina e educa; que gritar é a única forma de sermos ouvidos; que haver discriminação de minorias faz parte; que humilhar quem é diferente é normal; que haver injustiças e pobreza no mundo é estrutural e não tem cura; que não ter Voz, liberdade de expressão, ser discriminado ou oprimid@ é ignóbil, mas sempre foi assim e é demasiado difícil mudar; usamos de forma impensada os recursos do planeta; destruímos os ecossistemas…
Infelizmente, muitas vezes precisamos de um conflito ou guerra por perto, para despertarmos dentro de nós o chamamento penetrante à paz.
Essa paz, a segurança, um futuro, são necessidades básicas que as pessoas a viver conflitos violentos desejam e buscam desesperadamente. No entanto, recuperar a confiança, os meios de subsistência, as instituições e os relacionamentos é um empreendimento complexo e de longo prazo, cheio de avanços e recuos. Porque os efeitos do conflito são de longo alcance, porque as respostas militares sozinhas para problemas políticos não funcionam, porque o conflito destrói vidas, sonhos, esperança e perturba qualquer ideia e ação de desenvolvimento. No centro de muitos conflitos violentos estão as questões de desigualdade, injustiça e exclusão.
Mas a paz, a segurança e o futuro são necessidades também de quem tem o privilégio de viver em harmonia, e não apenas dos que estão mergulhados na violência. A consciência da fragilidade da experiência de paz torna-a, ainda, mais preciosa.
Não podemos por isso dar-nos ao luxo de não ter no coração das sociedades, das pessoas e da vida comum a paz e a construção de caminhos de concórdia. Só criando estruturas e mecanismos pessoais, sociais, coletivos, que previnam conflitos armados e todo o tipo de violência, salvem vidas e libertem os recursos, já limitados, para as necessidades sociais; só gerando climas relacionais e quotidianos, constantes e sustentáveis – que vão das mais pequenas às mais dimensionadas ações – que defendam a justiça, a equidade, a harmonia comum, a compreensão mútua, o controlo egoísta das paixões… poderemos viver juntos, livres e felizes.
Por isso vimos defendendo que precisamos, cada vez mais, de instrumentos científicos e pedagógicos destinado a formar Agentes Ativos da Paz. O objetivo? A educação interdisciplinar de docentes, líderes, jovens e crianças, pais, casais, políticos, cidadãos comuns, em estudos aplicados da paz, da cidadania e da felicidade pública, numa integração fecunda e, estamos em crer, necessária e urgente.
A educação para Agentes Ativos da Paz visa promover uma cultura de paz em todos os espaços públicos e privados. Desafia o pressuposto de que a violência é inata à condição humana e procura equipar tod@s com a capacidade de resolver conflitos sem violência ou de os prevenir, mas, ainda mais profundo do que isso, de promover atitudes e sistemas humanos que derrubem a violência estrutural. A educação destes Agentes Ativos da Paz aspira a permitir que tod@s se tornem cidadãos responsáveis, abertos às diferenças, capazes de empatia e solidariedade, dentro e fora de fronteiras e grupos sociais, étnicos, religiosos, de identidade… e que possam desconstruir os fundamentos da violência e agir para cultivar a paz em todas as suas dimensões – intrapessoais, interpessoais, organizacionais, nacionais, internacionais, planetárias.
A educação destes Agentes Ativos da Paz inclui uma ampla gama de abordagens. Algumas concentram-se na promoção de competências individuais e interpessoais, como consciência emocional, empatia, cooperação, bondade, compaixão, comunicação harmoniosa, controle da raiva e das emoções tóxicas, práticas contemplativas, reforço de recursos promotores da saúde mental e da felicidade individual. Outras concentram-se nos aspetos sociais, culturais e políticos da paz, incluindo educação ambiental, educação em direitos humanos, educação para o desenvolvimento, estudos transculturais, anticorrupção e integridade, políticas publicas para o bem comum, modelos económicos e de gestão humanizados, felicidade pública e justiça social.
Ao olharmos o mundo atual, acreditamos ser necessário, mais do que nunca, que haja um investimento intrépido e perseverante na criação e manutenção de culturas de paz positiva, felicidade coletiva e cidadania global. E porque é urgente “cuidar o futuro” comum e ser parte ativa na construção conjunta de um melhor porvir, sonhemos e concretizemos a presença da paz como um vínculo social e cultural hegemónico e regenerativo.
Helena Águeda Marujo
Cátedra UNESCO em Educação para a Paz Global Sustentável da Universidade de Lisboa