A minha carreira no ensino começou no longínquo ano de 1986, do século passado. A minha relação com a escola é fruto de uma paixão que se manifesta desde os primeiros momentos de aprendizagem, ainda em pleno período da ditadura, época em que a maioria dos meus colegas de escola, então chamada de “primária”, abandonavam os estudos assim que concluíam a 4ª classe (atual 4º ano) para irem trabalhar, pois os frágeis orçamentos familiares que advinham do trabalho dos seus progenitores obrigavam a isso com idades que hoje chocam qualquer um de nós.
Não obstante ter nascido e crescido num bairro operário, situado na zona portuária de Leixões, pois sou natural de Leça da Palmeira – Matosinhos, acabei por ter a possibilidade de realizar estudos prolongados.
Finalizada a instrução primária, pude prosseguir estudos no então ciclo preparatório e, mais tarde, no ensino secundário, ingressando em 1982, na licenciatura em Geografia, que concluí em 1986. Ao longo dos anos como aprendente, posso assegurar a importância estruturante do 1º ciclo de aprendizagem (inicial na época, pois não existia a Educação Pré-escolar). Neste nível de ensino, iniciei o desenvolvimento das diferentes literacias (linguística, numeracia , cientifica, estética e artística) que me permitiram, através de adequados instrumentos funcionais e cognitivos, com gosto, dominar os primeiros códigos que podia usar em vários domínios do trabalho escolar, de estudo e no trabalho da aprendizagem.
Numa época em que a educação estava muito longe de ser um processo contínuo e articulado, pois a escolaridade era obrigatória somente até à 4ª classe, a robustez das aprendizagens desenvolvidas no ensino “primário”, progressivamente expandidas de forma estimulante , interessante e significativa, deu origem a um sólido corpo de aprendizagens que viria a ser determinante no prosseguimento de estudos.
Após o primeiro ano como professor, numa escola do centro do Porto, fui colocado em 1987 na região do Algarve, em Quarteira, na escola onde atualmente exerço funções. Nas primeiras experiências profissionais, tive o privilégio de trabalhar na educação e formação de adultos, a par da lecionação de turmas do ensino regular, numa escola, já então multicultural que nos desafiava à adoção de metodologias ativas de ensino, aspirando à implementação de modelos pedagógicos que ativassem aquilo que a escola me proporcionou enquanto aprendente isto é, o gosto pela aprendizagem, a curiosidade natural dos jovens alunos, o incentivo a aprender ao longo da vida enquanto necessidade vital. A experiência na educação e formação de adultos deixou claro, no inicio do processo de socialização profissional, que a democratização das aprendizagens, ao longo da vida, se sustenta numa educação de base para todos de qualidade, e em idade suficientemente precoce para gerar atitudes, valores e comportamentos que suportam as aprendizagens permanentes.
Este desafio animou, e animará, toda a minha vida como professor, pois a escola continua hoje a procurar alternativas de resposta para questões que nos remetem para as dificuldades colocadas pelo encontro entre a massificação do ensino e a necessidade da sua individualização. Desde então, entendo o ensino com a função de fornecer um universo de ponto de luz que iluminem o horizonte dos alunos ao invés de lhes dar a estrela dos magos que indica um só caminho.
Contando com 11 anos de experiência como professor, em 1997, aceitei o desafio de fazer parte de uma equipa que instalou uma nova escola em Quarteira. Iniciei uma das atividades que mais me tem interpelado como professor. A experiência de lecionação anteriormente vivida, as problemáticas da democratização da educação, da realização efetiva do direito à educação das crianças e jovens que frequentavam, e que frequentam as nossas escolas, da igualdade e de oportunidade de acesso â educação, de permanência dos alunos na escola e do sucesso educativo, dizem-me que o sucesso é um processo difícil, moroso, e quase sempre inacabado. Urge estimular a autonomia e não a desistência, nunca despertar maior receio do que confiança e ter um olhar não só “+pelos alunos”, mas também “para os alunos”, qua acolhe, conhece, integra e os leva a encontrar o seu olhar.
Continua no próximo número.
(In JL 8-21 de fevereiro de 2023)
Cortesia de Manuel Nora – Diretor do Agrupamento de Escolas D. Dinis, em Loulé. Licenciado em Geografia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e mestre em Ciências da Educação, tem o curso de Formação Avançada que integra o programa de Doutoramento em Ciências de Educação, na especialidade de Administração Educacional.
Manuel Nora